domingo, janeiro 24

O puma de pedra

De pé bem cedo e, ainda assim, atrasados. Engolimos o café da manhã para pegar a van 6:45 na porta do albergue. Ela nos levou para o porto para nosso passeio pelo lago Titicaca, o mais alto lago navegável do mundo, a 3870 m acima do nível do mar. Excursão de um dia inteiro.

Caminhamos até o cais e pulamos de barco em barco até chegar à nossa lancha Jumbo. Nos acomodamos e algumas pessoas atrasaram nossa saída. Nada que nos fizesse esperar demais. O tempo estava nublado. Fomos em direção à nossa primeira parada: a comunidade dos Uros.


Eles constroem suas casas, feitas da planta totora, em cima das raízes, formando ilhas flutuantes. Corredores da planta abriam caminho para a comunidade com mais de 50 ilhas. Fomos recepcionados pelas mulheres da ilha "Corazon Del Lago", com 30 habitantes.

Sentamos em bancos de totora para ouvir a explicação do guia. Ele e o presidente da ilha mostraram como são feitas as construções. O povo utiliza as raízes da totora para flutuar no lago e a planta é colocada por cima, formando o chão do lugar.

Os quartos e a cozinha para a época de chuvas também são montadas com a planta. O barco que leva as crianças para a escola em outra ilha flutuante também é como um artesanato. Na época de seca, a cozinha ao ar livre com um fogão de barro, utiliza a totora como combustível. A população se alimenta basicamente de peixe. Comem também um tipo diferente de frango criado por eles.

A sobrevivência do povo se deve muito ao turismo, com a venda de artesanato feito tanto por homens como pelas mulheres. Eles fazem os barquinhos para cordões e móbiles. Elas bordam. Tiram seu sustento daí e não há muita negociação.

Olhamos as casas por dentro, subimos na torre de comunicação entre os presidentes das ilhas para ver tudo de cima. É muito estranho pisar em um chão fofo acostumada à terra firme. Pagamos 20 soles para andar no barco de totora, inacreditavelmente seguro.


Um casal nos conduziu até a outra ilha onde nossa lancha nos aguardava. Há um rodízio com as visitas dos turistas para que todas as famílias tenham a oportunidade de vender seus artesanatos.

Durante a viagem, o guia Estevan nos contava as características do lugar. Muita informação. A ilha flutuante que visitamos tem 14 metros de lago embaixo dela. O Titicaca pode atingir 300 metros de profundidade. Com mais de 8 mil metros de extensão, os peruanos defendem que 60% do lago pertence ao Peru e 40% a Bolívia. Os bolivianos já dizem o contrário. Mas, olhando os limites no mapa, dou razão aos peruanos.

O nome do lago, de origem Quechua (língua inca ainda popular), significa "Puma de Pedra" (Titi - puma; kaka - pedra). Ele foi batizado assim por causa das formações rochosas em volta do lago. Navegamos mais e o tempo foi mudando. Do céu cinza e água sem graça não sobrou mais nada. O sol revelou um azul incrível. O frio era o mesmo mas a paisagem nos remetia a outro lugar. A imensidão azul não parecia como um lago. A única referência é que ainda estávamos na bacia de Puno.


Passadas as penínsulas, começamos a ver nosso destino no lago, a ilha Taquile, duas horas e meia depois da comunidade dos Uros. O sol estava forte mas, ainda assim, o vento era gelado. A paisagem é incrível. Impossível parar de olhar.

Chegamos ao cais da ilha. Dúvida cruel se levava o casaco ou não. Decidi pelo mais leve por causa do sol. A recomendação dentro do barco era se lambuzar com filtro solar. Esquecemos no albergue. Cruzei os dedos para não me queimar mesmo sabendo que isso seria impossível.

Caminhamos para subir até a casa da família onde almoçaríamos. Subimos muito e, apesar da vista parecer com o mar, o ar faltava e nos lembrava da altitude. Cansativo mas lindo. A cada passo não acreditava no que via. Aquela água toda, com uma linha lá no horizonte, era um lago.


Uma primeira parada para ser apresentada a uma planta local. Um galho pequeno com folhas pequenas. O suficiente para esfregar na mão e revelar o aroma delicioso parecido com hortelã. Ajuda no enjôo e seu chá na digestão. Nesse ponto, já víamos uma parte da ilha com a imensidão de água azul.


Na casa da família, a mesa tinha a vista que me desconcentrava. Ainda no barco, fomos apresentados às vestimentas locais. Gorros totalmente vermelhos caracterizava os homens casados. Os bicolores, com branco, mostrava os solteiros. As mulheres, sempre com mantos negros, se diferenciavam pelos pompons de lã pregados às vestimentas. Os mais cheios são para solteiras enquanto os mais magrinhos ficam para as casadas. As crianças usam gorrinhos com babados e as autoridades vestem coloridos. Mulheres tem flores nas sandálias de mesmo modelos dos homens.


No quintal da casa, já sabíamos identificar tudo. Uma dança típica nos distraiu enquanto esperávamos o almoço. Truta ou Omelete. Fernando ficou com o peixe e eu com os ovos. Tudo muito agradável e gostoso. Sopa de quinua de entrada, um grão muito encontrado no Peru. Um alemão, que falava um fluente espanhol, incrementava com a pimenta muito ardida. E ria. "Pica-pica no es problema" (risos). Um alemão falando espanhol e eu com a língua travada. Que burra. Falo um idioma tão próximo e fico de bobeira com isso.

As bebidas de sempre: Inca Kola, Coca Cola ou água. Sempre conservadas ao tempo. Provei o chá da folhinha com cheiro de hortelã na esperança de que o almoço não pesasse como das outras vezes.

O cais da volta ficava em outro lado da ilha. Fomos até a praça principal, onde ficam algumas lojinhas de artesanato muito caro e crianças insistentes em vender suas pulserinhas. Uns 30 minutos para tirar fotos. Dá vontade de continuar ali por muito mais tempo.


"Grupo Jumbo", gritava o guia para voltarmos à lancha. O caminho dessa vez era maior e deu ótimas oportunidades para tirar fotos. Fernando permaneceu todo o tempo com a garrafa de gatorade que havíamos levado. Ele quis levar um pouco da água cristalina do lago para o avô superticioso curar a artrose.

Embarcamos e a navegação agora era sem paradas. Cochilei um pouco mesmo com a marola batendo. Chegando mais próximo de Puno, o tempo fechou e a chuva era muito forte. Um rapaz limpava o parabrisa para que o piloto conseguisse enxergar o trajeto.

Desembarcamos ainda com chuva fraca. A van nos aguardava para o retorno ao albergue. As ruas um pouco alagadas mas nada que afetasse a cidade. Precisávamos arrumar a mala para viajar às nove da noite para Arequipa.

Banho tomado, presentes organizados na bagagem e roupa de frio para suportar o vento da rua. A moça do albergue nos deu dicas para passeios e hospedagem na cidade de destino. A hesitação em sua voz demonstrava o que estava por vir em nossa viagem. Perguntei se a "Sur Oriente" era uma boa empresa de ônibus. Ela nos chamou um táxi e partimos.

Na rodoviária, as nossas malas foram embarcadas sem nenhum comprovante. O ônibus era antigo e não tinha luz. O rapaz que assessorava os passageiros andava com uma lanterna para poder enxergar seus passos. Compramos tickets para as poltronas mais confortáveis na parte de baixo.

Uma moça transportava peixe junto com ela no banco atrás do nosso. Nosso setor virou uma peixaria. O banheiro era impraticável. Sujaram todo ele e a empresa não o limpou. O cheiro se uniu ao do peixe que era emanado a cada vez que a moça se mexia. O ar quente foi ligado, nos sufocando ainda mais. Para arrematar, um passageiro, ainda sentado, roncava muito alto. Seis horas nesse ambiente. A pior viagem.

Às 3 horas da manhã, saí do ônibus aliviada mas de olho nas bagagens para ninguém pegar a minha. Queria sair de qualquer maneira dali. Sumir de perto daquele ônibus. Pegamos um táxi. Tentamos encontrar o primeiro hotel indicado pela moça de Puno, o Arequipa Center. Sem vagas. Em La Posada del Fraile, colada na principal praça da cidade, conseguimos um quarto.

Lindo hotel, muito organizado e, o mais gostoso depois de todo o estresse, com calefação. Quarto quentinho, acarpetado e água quente no chuveiro. Os muitos canais da TV nem fizeram tanto sucesso por causa do sono. Banho quente e cama para esquecer a viagem cansativa.